Se mandar para a cadeia os 19 réus do mensalão condenados pelos crimes de corrupção ativa ou passiva, o STF altera um paradigma do sistema penal brasileiro. Hoje, a regra é não pôr corruptos atrás das grades. Apenas 632 pessoas (0,12% de uma população carcerária de 514 mil presos), segundo o último levantamento do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), estavam presas em dezembro de 2011 porque agiram contra a administração pública, seja corrompendo agentes do Estado ou valendo-se do cargo de servidor para achacar contribuintes.
As informações são do jornal O Globo, em sua edição de ontem (21), em matéria assinada pelos jornalistas Roberto Maltchik e Thiago Herdy.
As prisões estritamente ligadas à corrupção, entretanto, podem ser em número ainda menor. De modo geral, os corruptos estão encarcerados porque também mataram ou formaram bando armado, prática associada às milicias e aos bandidos infiltrados na polícia.
Não é por acaso que em São Paulo, de acordo com a Secretaria Estadual de Assuntos Penitenciários, nenhum dos 164.633 hoje detentos está na cadeia devido a condenações pelos artigos 333 e 317 do Código Penal. No Rio, as estatísticas do Depen indicam que não há presos por corrupção passiva. Já 123 corruptores (corrupção ativa) estavam presos no fim do ano passado.
O Direito brasileiro – afirmam promotores, juristas e magistrados ouvidos pelo Globo – consagrou que o corrupto não oferece elevado risco à sociedade. De modo geral, a pena de reclusão é revertida em pena privativa de direitos, como prestação de serviços à comunidade, perda de cargo público ou mesmo de mandato eletivo. Mas há exceções. E não necessariamente aplicadas a autores de crimes de colarinho branco.
Casos raros
* Caso raro de quem pegou cadeia, de fato, por corrupção passiva em São Paulo é o de uma funcionária da Ciretran em Capão Bonito (SP), que pediu R$ 200 para desbloquear a CNH de Milton Gonçalves, em 2007. De acordo com o processo, como ele disse que não tinha este valor, ela pediu um porco de presente para resolver o problema. Recebeu. Foi condenada a quatro anos de reclusão no regime inicial fechado, convertidos em três anos em regime semiaberto. Ela acabou de cumprir a pena e atribui a condenação a uma perseguição do delegado que era chefe em sua seção.
* Enquanto isso, em Natal (RN), 16 vereadores, ex-vereadores, servidores públicos e empresários foram condenados em janeiro deste ano por comercializarem o Plano Diretor da capital potiguar, em 2007, mas não passaram um dia atrás das grades. O Ministério Público convenceu o juiz Raimundo de Oliveira Costa de que os parlamentares aceitavam propina tabelada de aproximadamente R$ 30 mil.
Classificados pelo MP-RN como os mentores da organização, os ex-vereadores Dickson Ricardo Nasser dos Santos e Emilson Medeiros dos Santos receberam pena de sete anos e nove meses de reclusão em primeira instância pelo crime de corrupção e aguardam, em liberdade, julgamento de recurso no TJ-RN. O pedido de prisão preventiva foi indeferido pelo magistrado.
* A conversão das penas de reclusão por prestação de serviços à comunidade é a regra. Foi assim há três semanas, quando os desembargadores do TJ de São Paulo analisaram recurso interposto por Aparecido Queiroz, condenado a dois anos de reclusão por cobrar R$ 250 para agilizar um exame de paternidade em São José do Rio Preto, em São Paulo.
* O mesmo ocorreu com Edson Gomes, funcionário do setor de pessoal da prefeitura de Ubatuba, que cobrou R$ 2,1 mil da viúva de um ex-funcionário da prefeitura que o procurou a fim de providenciar o recebimento de prêmio de seguro em razão do falecimento do marido.
* A baixíssima incidência de presos condenados por corrupção no sistema carcerário brasileiro não pode ser atribuída à natureza não violenta do crime. Prova disso é que aproximadamente 70 mil pessoas cumprem pena no país por furto, destaca Pedro Abramovay, ex-secretário nacional de Justiça e pesquisador da Fundação Getulio Vargas. Para cada preso por corrupção no país, há cem encarcerados por subtração de coisa alheia, de acordo com a estatística mais atualizada do Depen.
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