Qual é o Estado com menor percentual de estradas pavimentadas em relação à sua malha total? Não é Roraima, que tem o menor PIB do país. Nem a paupérrima Alagoas, com o mais baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). O campeão em carência de asfalto, acredite, é o Rio Grande do Sul, a quarta unidade mais rica da federação.
Apenas 7,2% das rodovias gaúchas — estaduais, federais e vicinais — são pavimentadas. Isso é bem menos do que a média brasileira, de quase 13 quilômetros asfaltados em cada cem, conforme dados consolidados de 2012 do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). Ou seja, os gaúchos figuram na lanterna em um país que já está longe de ser um exemplo. Pelo contrário. O percentual nacional de 13% coloca o Brasil em último lugar em pavimentação entre as 20 maiores economias do mundo.
A agonia das estradas gaúchas é fruto de uma série de fatores encadeados. Alguns são locais, como as finanças combalidas do Palácio Piratini. A incapacidade de encontrar um modelo para o capital privado ajudar na criação da infraestrutura necessária à impulsão do desenvolvimento e à queda nos acidentes também é uma das razões da herança cruel legada aos gaúchos.
Além do baixo investimento público nas últimas três décadas, as rodovias sofrem com a burocracia para tocar obras, o aumento da frota e o excesso de peso transportado dos caminhões, um problema agravado pela falta de fiscalização e que desemboca na deterioração das estradas, realimentando o círculo vicioso que faz cair a qualidade das rodovias existentes. O percentual de estradas avaliadas como ótimas em pesquisa da Confederação Nacional do Transporte (CNT), por exemplo, era de 28,6% em 2010 e, em 2012, caiu para apenas 11%. As péssimas subiram de 1,3% para 2,4%.
E má qualidade pode acarretar mortes. O número de óbitos nas estradas cresceu 2,3% em 2012, na comparação com 2011, chegando a 2.083 vítimas fatais, contra 2.037 no ano anterior. Outro efeito colateral de rodovias ruins é o congestionamento constante nas rodovias com boas pavimentação e sinalização, como o trecho da BR-116 entre Canoas e o Vale do Sinos.
Entre todos os males relacionados às estradas, pelo menos a falta de dinheiro parece ter ficado para trás. O problema, agora, é conseguir aplicar os recursos, vencendo obstáculos burocráticos, questões ambientais e antropológicas e suspeitas de irregularidades nas obras. Acostumado à escassez, o Estado conseguiu R$ 2,6 bilhões para investir na construção e recuperação de rodovias até 2014, verba oriunda de financiamentos do BNDES e do Banco Mundial, mais recursos repassados pelo governo federal e do próprio orçamento do Estado. Mesmo assim, a construção e a recuperação das estradas não deslancha.
Uma reforma que virou símbolo dos entraves
Em busca dos fatores que levam os gaúchos a transitar em rodovias de Terceiro Mundo, Zero Hora identificou uma região do Estado onde se concentram as principais falhas. Na Serra, a reforma de 196 quilômetros de quatro trechos estratégicos é a síntese dos problemas que atingem grande parte da malha viária gaúcha. A obra, uma promessa de anos, já patinou por falta de dinheiro, processos judiciais, falta de fiscalização e, para culminar, surgiram agora irregularidades no edital da restauração dessas estradas.
A Secretaria de Infraestrutura e Logística (Seinfra) chegou a anunciar um investimento de R$ 140 milhões para quatro trechos: a ERS-122 (entre Ipê e a localidade de Samuel, na BR-116), a ERS-324 (entre Nova Araçá e Nova Prata), a RSC-470 (entre Nova Prata e Bento Gonçalves) e a RSC-453 (Rota do Sol, entre Caxias do Sul e Lajeado Grande). As obras deveriam começar em 4 de janeiro. Mas o Daer revogou o edital do Contrato de Restauração e Manutenção (o Crema/Serra, que abrangia os quatro trechos), elaborado na própria autarquia. A justificativa: auditores do Tribunal de Contas do Estado alertaram para “deficiências capazes de gerar prejuízo significativo ao Estado”, conforme parecer emitido nos últimos dias de 2012.
Os entraves reaparecem nos investimentos da União no Estado. Os projetos de duplicação das BRs 386 e 116, por exemplo, seguem estacionados em dois trechos devido à presença de comunidades indígenas que se instalaram na beira das rodovias e precisam ser realocadas com mais recursos públicos para que as obras, finalmente, acelerem.
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