(OPINIÃO) – Kiss: um ano do incêndio

Postado em 27 janeiro 2014 11:02 por JEAcontece
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Hoje (27), está completando um ano do incêndio na Boate Kiss, em Santa Maria, que vitimou 242 pessoas e feriu outras 116, naquilo que foi seguramente a maior tragédia da história do Brasil. E entre as vítimas, três taperenses conhecidos e queridos: as primas Luísa Batistella Püttow e Paula Batistella Gatto e Alex Giacomolli, três universitários que se preparavam para a vida e que dela foram arrancados de forma brutal. As meninas foram rainhas do Clube Aliança. A Luísa em 2004 e a Paula em 2008.

Daquele dia de horror, infelizmente, lembro bem. Como faço todo domingo pela manhã, fui cedo para o jornal para ver as notícias e atualizar o JEAcontece. Iria viajar, mas por motivos de saúde na família, a viagem foi cancelada. Parecia que eu tinha de estar em Tapera naquele dia. Estava na antiga sede do jornal quando tocou o celular. Do outro lado um amigo me pediu se sabia do incêndio numa boate em Santa Maria. Disse que não sabia de nada, pois não havia ligado o computador ainda. Ele me contou que havia morrido cerca de 30 pessoas e que poderia haver mais, inclusive taperenses. Não imaginávamos que o pior estava apenas começando.

Eu, o Donatti e a Pillar fomos atrás de informações pelo telefone, Facebook e televisão. O trabalho que iniciou às 08h17min terminou depois das 21h30min. Fiquei mais de 13 horas evolvido com a notícia do incêndio. Que dia foi aquele…

Ai lembrei da Andrea Ortiz, minha sobrinha de Selbach que cursa jornalismo na UFSM. Liguei para seus pais pedindo por ela e me informaram que ela não havia ido à boate. Aquilo me aliviou, por instantes.

Ao colocar o telefone sobre a mesa ele voltou a tocar. Era um amigo que estuda em Santa Maria e me disse que havia quatro taperenses na boate e que poderiam estar mortos. De cara ele citou os nomes da Luísa e da Paula, e não sabia os nomes dos outros dois. Já prevendo o pior, liguei para uma pessoa daqui de Tapera, ligada às famílias, que confirmou que as gurias estavam mesmo na boate e que estavam mortas. Aqueles segundos demoraram a passar. Fiquei muito mal e como pai, tentei me colocar no lugar dos pais delas, mas não consegui, porque uma dor muito forte tomou conta do meu peito. Imagino o filme que deve ter passado nas cabeças dos pais dos três, depois de tudo que foi vivido nestes anos todos, o que foi planejado, as férias, natais e ano novo, aniversários, os sonhos que tiveram… Tudo abortado em questão de minutos numa noite de puro horror.

Quando escrevia a matéria, meio mal devido a alteração na pressão, o telefone tocou novamente e o amigo me contou que o terceiro taperense morto era o Alex Giacomolli e que os taperenses mortos eram três. Agora, era informar o ocorrido e esperar pela reação da comunidade que já esperava pelo pior, pois em cidade pequena se fica sabendo das coisas rapidamente.

Também lembro do Tenarião, que abriu as suas portas para a despedida dos três, ele que deu tantas alegrias aos taperenses nestes quase 50 anos. Naquele dia quente, o mais antigo ginásio de esportes e de eventos da região, e onde são realizados os maiores eventos de Tapera, estava calado. E até ele chorou.

Nesta sexta-feira (24/01), estive em Santa Maria e passei pela Rua dos Andradas. Ao parar na sinaleira, olho para minha esquerda e vejo o prédio da Boate Kiss, repleto de flores e fotografias. Na frente, vários cones na rua evitando o estacionamento de veículos e a passagem de pessoas. Um frio correu pela minha espinha ao ver todas aquelas fotos em tamanho grande nas paredes.

Do incêndio, além da perda de nossas crianças, me revoltou a atuação da imprensa em geral no episódio. As perguntas feitas foram lamentáveis. Jornalistas, de todo o Brasil querendo saber mais que todo mundo e querendo aparecer mais do que todo mundo. Teve uma jornalista gaúcha que conseguiu ser inconveniente duas vezes numa mesma entrevista, ao vivo. Saí da frente da televisão naquele momento, de vergonha e raiva. Houve uma charge que ilustrou muito bem aquilo tudo. Nela aparece uma mãe ajoelhada sobre um caixão e um repórter de televisão lhe perguntando qual o sentimento nesta hora. Teve gente que ficou chocada e braba com a charge, mas ela retratou muito bem o que não se deve fazer na cobertura de um evento com aquela proporção, com tantos mortos.

Teve profissional que fazia uma pergunta e quando o entrevistado estava explicando, faziam outra em cima, desconcertando-o e também quem estava do outro lado da telinha, agoniado, querendo informações e respostas. Foi um festival de porcarias.

Quem está na imprensa deve saber que ninguém é maior do que a notícia e que ela deve ser dada de forma séria, imparcial e impessoal. Agora, o ego das pessoas é uma coisa impressionante.

O que se viu nas transmissões do incêndio da Kiss e nos dias subsequentes deveria ser abordado nas faculdades de jornalismo para jamais ser repetido. E claro que teve profissionais que atuaram de forma brilhante no caso. Mas, o que ficou mais evidenciado foram os erros, lamentavelmente.

Neste primeiro aniversário do incêndio da Kiss, quero aqui me dirigir ao Betinho e a Márcia, pela perda da Luísa; e também ao Zé e a Simone pela da Paula, e a Glaci, pela do Alex. Falar qualquer coisa, tentando aliviar o sofrimento de vocês, é desnecessário. Então, fica aqui a minha torcida para que vocês assimilem a partida prematura de suas crianças e pensem que se isso aconteceu é porque deve haver um motivo para isso, por que Deus, na sua infinita sabedoria e bondade, não faz nada por acaso. Algo estava reservado a vocês, pais e filhos. Este é o meu desejo e o de todos os seus amigos, parentes e colegas. A dor continua, mas as lembranças dos bons momentos vividos deverão lhes dar forças para seguir em frente para cumprir a sua missão, nesta nossa rápida caminhada por este plano.

E por fim, um questionamento: onde estão a Justiça e os culpados (todos eles)?

Fiquem em paz e bem.

Fábio David Crestani
Jornalista – Editor do JEAcontece e do Blog do Sarico

Postado em 27 janeiro 2014 11:02 por JEAcontece
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