Jornalistas independentes que cobrem o desenvolvimento do continente africano são agora perseguidos por divulgar o mau uso das finanças públicas, a corrupção e as atividades de investidores estrangeiros. A noção internacional sobre as soluções para os problemas da África resume-se, muitas vezes, a questões como a redução da pobreza e a estabilidade dos países. Liberdades individuais, como a liberdade de imprensa, dificilmente entram em pauta, o que torna mais fácil para líderes autoritários o controle sobre o trabalho jornalístico. É preciso analisar o contexto que levou a esta tendência, observa Mohamed Keita em artigo no New York Times [16/4/12].
Nos anos 90, líderes como Paul Kagame, de Ruanda, e Meles Zenawi, da Etiópia, eram elogiados pelo Ocidente como reformistas sociais e políticos. Hoje, o Ocidente os elogia por terem conseguido atingir o crescimento e mantido a estabilidade de seus países – o que fazem amplamente com um quase absoluto controle das instituições e da imprensa nacionais.
Outro ponto determinante é a influência chinesa. A China ultrapassou o Ocidente como o maior parceiro comercial da África em 2009, e no processo aprofundou ligações técnicas e midiáticas com governos africanos para conter o tipo de cobertura crítica que classificam como neocolonialista. Em janeiro, Pequim anunciou seus planos de expansão da mídia chinesa no exterior e o envio de 100 mil jornalistas para o exterior, especialmente para regiões consideradas prioritárias, como a África. Há alguns meses, a China abriu seu primeiro escritório central de TV no Quênia e lançou uma publicação na África do Sul.
A agência de notícias estatal Xinhua já opera mais de 20 sucursais na África. Mais de 200 funcionários de governos africanos receberam treinamento chinês, entre 2004 e 2011, para produzir o que o chefe de propaganda do Partido Comunista, Li Changchun, chamou de “cobertura verdadeira de desenvolvimento”. Governos da África e da China tendem a concordar que a imprensa deve focar em conquistas coletivas e mobilizar o apoio público, em vez de divulgar temas que provocam divisão ou são negativos.
O caso da Etiópia e de Ruanda
Em nenhum lugar este controle sobre a imprensa é tão aparente quanto na Etiópia, que permanece um dos países mais notáveis de recepção de assistência de desenvolvimento e cujo maior parceiro comercial e principal fonte de investimentos estrangeiros é a China. As penitenciárias da Etiópia, como as da China, estão cheias de jornalistas e dissidentes políticos, e sites críticos ocidentais são bloqueados. Curiosamente, o jornalismo investigativo já salvou inúmeras vidas no país. Nos anos 80, o presidente Mengistu Haile Mariam negou que uma crise de fome estivesse acontecendo. O resto do mundo não tomou qualquer atitude para ajudar os milhões de famintos no país até que jornalistas internacionais furaram o bloqueio à informação estabelecido pelo ditador.
Quase três décadas depois, a Etiópia continua envolvida em um ciclo de crises humanitárias e conflitos. Hoje, jornalistas não têm acesso a áreas sensíveis e arriscam ser condenados a 20 anos de prisão caso escrevam sobre grupos de oposição classificados pelo governo como terroristas. “Não podemos tirar fotos de crianças obviamente desnutridas”, conta uma repórter que trabalha no país.
Este silêncio forçado frustra os esforços de grupos de ajuda humanitária a mobilizar financiamento rapidamente quando é necessário. E na sociedade civil, onde a atuação da oposição política e da imprensa é restrita, dificilmente há alguma investigação sobre como o governo usa os bilhões de dólares recebidos dos governos ocidentais em seus programas de assistência internacional.
Ruanda é outro caso inquietante. O volume comercial entre o país africano e a China aumentou cinco vezes entre 2005 e 2009. Durante o mesmo período, o governo derrubou virtualmente toda a imprensa crítica e a oposição e começou a filtrar sites de notícias de dissidentes baseados no exterior. Na medida em que interesses políticos e econômicos ligados a investimentos chineses buscam erradicar a cobertura independente, uma imprensa africana livre é cada vez mais necessária como parte chave para o desenvolvimento do continente e um modo de o público contextualizar estatísticas oficiais sobre desemprego, inflação e outras preocupações econômicas e sociais.
Observatório da Imprensa