O ciclo natural que faz a água dos rios e oceanos evaporar, formar nuvens e cair na forma de chuva está ficando cada vez mais apressado, revela uma pesquisa feita por cientistas na Austrália e nos Estados Unidos.
A culpa é do aumento da temperatura média do planeta nos últimos anos, causado por ações humanas, como a queima de combustíveis fósseis e o desmatamento.
Uma atmosfera mais quente consegue armazenar e transportar muito mais vapor de água (veja quadro à dir.), o que explica o fenômeno.
Até o fim do século, o ciclo da água pode ficar até um quarto mais rápido, calcula a equipe, coordenada por Paul Durack, do Centro Australiano de Pesquisa do Tempo e do Clima, na Tasmânia.
A mudança ocorrida de 1950 até o ano 2000 é mais modesta: pouco menos de 5% de aceleração no ciclo para cerca de 0,5 grau Celsius de aumento na temperatura média do globo. Até o fim do século, o mais provável é que o aumento de temperatura supere os 2 graus Celsius.
Para chegar a essa conclusão, a equipe tomou como base as alterações na salinidade dos mares nesses 50 anos.
O raciocínio que baseia a medição é relativamente simples: quanto mais rápido o processo de evaporação ou de precipitação (ou seja, chuva), maior deve ser a variação no teor de sal nos mares, os quais, afinal de contas, recebem cerca de 80% da chuva que cai no nosso planeta.
De fato, o que os pesquisadores verificaram é consistente com um efeito apelidado de “os ricos ficam mais ricos”: regiões com mais concentração de sal ficam ainda mais salgadas, enquanto as com menor teor de sal ficam ainda mais “doces”.
Em terra firme, isso significa que áreas secas tendem a receber menos chuva ainda, enquanto regiões úmidas ganham tempestades cada vez mais intensas.
“Seria uma intensificação dos extremos climáticos”, diz o físico Paulo Artaxo, da USP, especialista em mudanças climáticas que analisou o novo estudo a pedido da Folha.
É algo que muita gente já previa em relação ao aquecimento global. “Mas esse talvez seja o primeiro trabalho a mostrar isso claramente nos dados”, diz Artaxo.
Trata-se, obviamente, de uma má notícia para qualquer região do globo que sofra com secas ou enchentes. Mas, levando em conta as mudanças da salinidade dos mares, as repercussões podem ser ainda mais profundas, afirma o físico.
“É importante lembrar que um dos fatores cruciais para o funcionamento das correntes marinhas, além da temperatura da água, é a variação de salinidade”, explica ele.
São correntes marinhas que esquentam a Europa Ocidental ou carregam nutrientes essenciais para a vida marinha rumo à costa do Peru. “Mudanças significativas nelas poderiam levar a colapsos na pesca, entre outras repercussões sociais e econômicas”, afirma Artaxo.
A pesquisa está na edição desta semana da revista americana “Science”.
Folha.com