O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, disse nesta sexta-feira que o julgamento da ação penal do chamado mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF) está num “bom caminho” para a condenação do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, chamado por ele de “chefe de quadrilha” do suposto esquema. “Nós estamos num bom caminho”, disse Gurgel a um pequeno grupo de jornalistas ao ser perguntado se o julgamento estaria na direção para a condenação de Dirceu.
Gurgel pediu a condenação de todos os réus envolvidos no mensalão, à exceção do ex-ministro Luiz Gushiken e de Antônio Lamas, e considerou Dirceu o mentor e arquiteto do suposto esquema de desvio de recursos públicos e compra de apoio parlamentar, que veio à tona em 2005. Dirceu renunciou ao cargo na esteira do escândalo, que foi a pior crise política do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e teve seu mandato de deputado federal cassado.
A defesa do petista alega falta de provas materiais que comprovem a participação dele no suposto esquema. Já Gurgel alegou haver evidência “contundente” da atuação de Dirceu como líder do “grupo criminoso”, mas reconheceu, ao ler a denúncia no plenário da Corte, que, como todo “chefe de quadrilha”, o ex-ministro não deixou rastros. O procurador disse ainda que as primeiras condenações no julgamento derrubam a tese da defesa de que o suposto esquema não existiu.
“As primeiras condenações são muito importantes na medida em que demonstram que a acusação formulada pelo Ministério Público está muito longe de ser aquele delírio que a defesa concebia”, disse ele após participar da posse do novo presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Felix Fischer. Dirceu é considerado o principal réu do processo e responde aos crimes de formação de quadrilha e corrupção ativa.
O julgamento no STF já condenou cinco réus por desvios de recursos públicos em contratos de publicidade na Câmara dos Deputados e no Banco do Brasil. Entre eles está o deputado federal João Paulo Cunha (PT-SP), primeiro réu condenado e único candidato nas eleições de outubro. Ele retirou sua candidatura após a condenação.
O cálculo das penas só será feito no final do julgamento, mas o ministro Cezar Peluso, que deixou a Corte compulsoriamente pois completará 70 anos na segunda, condenou o político a 6 anos de prisão e perda de seu mandato de deputado. O cálculo de Peluso baseia-se apenas nos crimes de corrupção ativa e peculato, mas o petista também foi condenado por lavagem de dinheiro, o que deverá fazê-lo perder o direito ao regime semiaberto.
Gurgel foi perguntado se a perda do mandato do parlamentar será automática caso o STF determinar como parte da pena, e respondeu que a decisão da Corte terá que ser cumprida. “A Constituição prevê um procedimento pela mesa da Câmara, a quem cabe verificar algumas formalidades. Mas, na verdade, a decisão judicial terá que ser cumprida”, disse ele.
Com a saída de Peluso, a Corte ficou com 10 magistrados, o que abre a possibilidade de empates em determinados casos. Gurgel disse não se preocupar com este cenário e que acredita que “continuaremos tendo uma diferença significativa e espero que sempre a favor da condenação”. O julgamento do chamado mensalão prossegue na segunda-feira, quando o relator da ação, Joaquim Barbosa, seguirá com a leitura do seu voto relativos à acusação de gestão fraudulenta de instituição financeira.
O mensalão do PT
Em 2007, o STF aceitou denúncia contra os 40 suspeitos de envolvimento no suposto esquema denunciado em 2005 pelo então deputado federal Roberto Jefferson (PTB) e que ficou conhecido como mensalão. Segundo ele, parlamentares da base aliada recebiam pagamentos periódicos para votar de acordo com os interesses do governo Luiz Inácio Lula da Silva. Após o escândalo, o deputado federal José Dirceu deixou o cargo de chefe da Casa Civil e retornou à Câmara. Acabou sendo cassado pelos colegas e perdeu o direito de concorrer a cargos públicos até 2015.
No relatório da denúncia, a Procuradoria-Geral da República apontou como operadores do núcleo central do esquema José Dirceu, o ex-deputado e ex-presidente do PT José Genoino, o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares e o ex- secretário-geral Silvio Pereira. Todos foram denunciados por formação de quadrilha. Dirceu, Genoino e Delúbio respondem ainda por corrupção ativa.
Em 2008, Sílvio Pereira assinou acordo com a Procuradoria-Geral da República para não ser mais processado no inquérito sobre o caso. Com isso, ele teria que fazer 750 horas de serviço comunitário em até três anos e deixou de ser um dos 40 réus. José Janene, ex-deputado do PP, morreu em 2010 e também deixou de figurar na denúncia.
O relator apontou também que o núcleo publicitário-financeiro do suposto esquema era composto pelo empresário Marcos Valério e seus sócios (Ramon Cardoso, Cristiano Paz e Rogério Tolentino), além das funcionárias da agência SMP&B Simone Vasconcelos e Geiza Dias. Eles respondem por pelo menos três crimes: formação de quadrilha, corrupção ativa e lavagem de dinheiro.
A então presidente do Banco Rural, Kátia Rabello, e os diretores José Roberto Salgado, Vinícius Samarane e Ayanna Tenório foram denunciados por formação de quadrilha, gestão fraudulenta e lavagem de dinheiro. O publicitário Duda Mendonça e sua sócia, Zilmar Fernandes, respondem a ações penais por lavagem de dinheiro e evasão de divisas. O ex-ministro da Secretaria de Comunicação (Secom) Luiz Gushiken é processado por peculato. O ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato foi denunciado por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
O ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP) responde a processo por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A denúncia inclui ainda parlamentares do PP, PR (ex-PL), PTB e PMDB. Entre eles o próprio delator, Roberto Jefferson.
Em julho de 2011, a Procuradoria-Geral da República, nas alegações finais do processo, pediu que o STF condenasse 36 dos 38 réus restantes. Ficaram de fora o ex-ministro da Comunicação Social Luiz Gushiken e o irmão do ex-tesoureiro do Partido Liberal (PL) Jacinto Lamas, Antônio Lamas, ambos por falta de provas.
A ação penal começou a ser julgada em 2 de agosto de 2012. A primeira decisão tomada pelos ministros foi anular o processo contra o ex-empresário argentino Carlos Alberto Quaglia, acusado de utilizar a corretora Natimar para lavar dinheiro do mensalão. Durante três anos, o Supremo notificou os advogados errados de Quaglia e, por isso, o defensor público que representou o réu pediu a nulidade por cerceamento de defesa. Agora, ele vai responder na Justiça Federal de Santa Catarina, Estado onde mora. Assim, restaram 37 réus no processo.
Reuters