A Ação Civil Pública nº 009/1.11.0005018-5, movida pelo Ministério Público contra o ex-prefeito de Carazinho Alexandre Goellner, o ex-diretor da Eletrocar Romeu Giacomelli e outros empresários e empresas participantes do projeto da PCH Cabrito – SBS Engenharia e Construções Ltda. e MAC Engenharia e Construções Ltda. -, foi julgada totalmente improcedente pelo Juiz de Direito André Dal Soglio Coelho, 1ª Vara Cível da Comarca de Carazinho, em sentença proferida em 18 de abril.
A decisão teve como principais fundamentos: que o valor recebido pela Eletrocar pela venda dos direitos relativos ao projeto da PCH Cabrito correspondeu adequadamente ao valor investido no inventário hídrico do Rio da Várzea, atualizado monetariamente (R$ 532 mil); que o projeto, após o registro na ANEEL, passou a ser de domínio público, podendo ser aproveitado por qualquer pessoa, desde que devidamente indenizados os autores do projeto, tal como foi com a Eletrocar; que as propostas em valor superior são inverídicas, ”desproporcionais e surreais”, tendo em vista o domínio público do projeto e a ausência de prova mínima de que os proponentes das ofertas milionárias (de R$ 2 milhões e R$ 3,5 milhões) tivessem condições financeiras de adimpli-las; que não há sentido em se pagar tais valores milionários para um projeto sem sequer liberação ambiental, especialmente em se comparando com a PCH Colorado, que, estando pronta e em funcionamento, foi vendida em 2017 por R$ 5,25 milhões, frisando que para a PCH Cabrito funcionar dependeria, ainda, da desapropriação de terras para compor o reservatório e da efetiva construção da usina.
Saiba mais sobre a decisão
Na ação, o Ministério Público requereu a condenação dos réus por improbidade administrativa, a declaração de nulidade do contrato de desistência de parceria público privada entre a Eletrocar e as empresas SBS e MAC e a declaração de nulidade do termo de transferência e cessão de direitos firmado entre a Eletrocar e a SBS.
Alegou o Ministério Público que teria havido pagamento de propina e prejuízo à Eletrocar para esta desistir de parceria comercial com as empresas SBS e MAC, referente à construção e exploração da Pequena Central Hidrelétrica – PCH Cabrito.
Na sentença, que rejeitou os argumentos do Ministério Público, o Juiz verificou que ”a construção de uma PCH envolve diversas fases, e que mesmo antes do licenciamento ambiental prévio, é feito um inventário hídrico, que visa conhecer o potencial hídrico do local”, juntando um fluxograma sobre os passos para implantação de uma PCH.
Relatou o Juiz que a ”Eletrocar realizou somente o inventário hídrico do Rio da Várzea”, objetivando possível implantação futura de PCHs (Cabrito, Chapada, Pinhalzinho, Salto Barroso, Linhão São Paulo e Taquaruçu), ”sequer iniciando os estudos para licenciamento de alguma PCH”. Além disso, lembrou que ”sequer economicamente viável a maior parte das PCHs vieram a ser”.
Referido inventário hidrelétrico foi aprovado pela ANEEL em 10/12/2003, e exigiria um reservatório de 270 hectares no caso da PCH Cabrito.
Para o desenvolvimento de projetos de viabilidade das PCHs, foi firmado, em 08/01/2004, um contrato de parceria entre a Eletrocar e as empresas MEK Engenharia e Consultoria Ltda., TPI Triunfo Participações e Investimentos S.A. e a SBS Engenharia e Construções Ltda.. O referido contrato também previa a formação de sociedades de propósitos específicos – SPEs para a futura execução das PCHs, onde a Eletrocar poderia integralizar sua subscrição de capital com o inventário do Rio da Várzea, avaliado em R$ 400 mil na época.
Frisa o magistrado que as contratantes, inclusive a Eletrocar, teriam de financiar os demais custos necessários às demais fases da implantação de uma PCH, sendo que a Eletrocar teria a participação de 30% em cada SPE que surgisse, além de 30% para a SBS, 30% para a TPI e 10% para a MEK.
A parceria foi rescindida após a Eletrocar assinar contrato de desistência em 19/06/2008 em relação ao projeto de construção da PCH Cabrito, sendo indenizada no valor de R$ 532 mil.
Segundo o Ministério Público, o ex-prefeito e o ex-diretor da Eletrocar teriam recebido propina para vender, às empresas SBS e MAC, os direitos da Eletrocar relacionados à PCH Cabrito em valor bastante inferior a outras propostas recebidas.
No entanto, o Juiz entendeu que as provas dos autos afastam a tese do Ministério Público quanto ao pagamento de propina a esse título e concluiu, inclusive, que inexistiu prejuízo aos cofres públicos.
Para sustentar o seu entendimento, o Juiz destacou que os estudos de inventário elétrico de bacias hidrográficas eram regulados pela Resolução nº 393/1998 da ANEEL, a qual prevê a possibilidade de concorrência aberta, por licitação, para a execução de projetos que utilizem os estudos registrados na ANEEL, assegurando o ressarcimento dos custos aos autores dos estudos – caso da Eletrocar.
Assim, esclarece que ”o inventário registrado na ANEEL não garante exclusividade, porque após o depósito ele se torna de domínio público, sendo que qualquer um pode utilizá-lo ou mesmo iniciar um novo estudo com tecnologia mais precisa para o mesmo trecho de rio”, de modo que o registro não garante o direito à obtenção da concessão ou autorização de exploração do potencial hidráulico eventualmente encontrado.
Desse modo, assim ponderou o Juiz: ”pelos elementos dantes elencados, percebe-se que cai por terra a tese de que o pagamento de propina em favor de ALEXANDRE e ROMEU era para negociar a saída da ELETROCAR do contrato de parceria, considerando que o inventário era de domínio público e que qualquer pessoa física ou jurídica que quisesse poderia utilizá-lo ou melhorá-lo sem pagar nenhum valor por isso. Frise-se que a ELETROCAR não tinha direito nenhum sobre os estudos da PCH CABRITO junto a ANEEL.
Logo, desarrazoado que os réus SBS e MAC, sabendo que o inventário hidrelétrico era de domínio público, aceitassem adimplir a vantagem indevida a ROMEU e ALEXANDRE por tal motivo”.
Destacou, ainda, que ”o TCE apurou que a ELETROCAR dispendeu R$ 195.827,91 com o inventário hidrelétrico do Rio da Várzea, sendo indenizada em valor superior ao desembolsado. Portanto, não se denota prejuízo ao Erário”.
Além disso, registrou ser ”desproporcional e surreal” a proposta de R$ 2 milhões ou de R$ 3,5 milhões que teria sido ofertada pelo mero estudo de viabilidade da PCH Cabrito, tendo em vista que as testemunhas indicaram ter sido alto o valor pago à Eletrocar pelo inventário de domínio público e o fato de sequer haver licença ambiental do projeto, enfatizando que não há um mínimo de amparo probatório de que as pessoas e empresas que teriam apresentado as propostas milionárias tivessem viabilidade econômica de cumpri-las.
Por fim, o Juiz faz um comparativo com a própria venda feita pela Eletrocar, no ano de 2017, das PCHs Mata Cobra e Colorado, as quais estavam prontas e em funcionamento, com licenciamento ambiental, desapropriações pagas, barragem e turbinas construídas, diferentemente da PCH Cabrito.
”Ora, se uma PCH pronta e em funcionamento foi vendida no ano de 2017 por R$ 5.250.000,00 (cinco milhões e duzentos e cinquenta mil reais), é absolutamente desprovida de veracidade a afirmação que alguém efetivamente tenha oferecido pagar dois milhões de reais, no ano de 2008, por um mero inventário que sequer gerava direito adquirido sobre a exploração da área”, disse o magistrado, questionando ainda quanto seria pago pelo proponente das supostas ofertas milionárias pela desapropriação dos 270 hectares que seriam alagados para compor o reservatório e pela efetiva construção da usina da PCH Cabrito.
Com tais fundamentos, o Juiz julgou improcedente a ação do Ministério Público e cancelou a liminar que tornava indisponíveis os bens dos réus como garantia caso houvesse condenação. Dessa decisão cabe recurso ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.
Gazeta AM