Passos, ruídos e a movimentação de estranhos tiram o sono de Sara Winter, 20 anos, em Kiev. Ela é brasileira e uma das oito ativistas do Femen, que agitou a Eurocopa 2012 com uma série de protestos, mas dorme apenas com uma amiga ucraniana, Tania, na sede do grupo. O local tem um salão razoavelmente amplo, uma sala de reuniões e um pequeno quarto. É lá que Sara passa os dias e as noites desde o sábado retrasado (24), mas sempre sob a vigília informal da polícia da capital.
Segundo a legislação da Ucrânia, não há crime em expor os seios publicamente, mas a polícia segue cada passo das ativistas do Femen. Há rondas 24 horas para tentar descobrir e impedir o próximo protesto. Quando essa informação vaza, elas podem ser presas. Ou, como ocorreu na também ucraniana Donetsk, na última quarta-feira, serem simplesmente sequestradas antes do jogo entre Espanha e Portugal. E liberadas horas depois. Pior mesmo, conta Sara, foi o que três delas enfrentaram no fim de 2011.
Na Bielorrússia, por um protesto contra a exploração de gás, as ativistas foram raptadas, andaram algemadas em dois ônibus por 17 horas, foram duramente torturadas e liberadas, nuas, a cinco quilômetros da divisa com a Ucrânia. Sob a ameaça: “vocês têm 10 minutos para correr até lá. Ou matamos”, disseram os policiais, o que dá o tom sobre a repressão ao Femen no Leste Europeu. Sara Winter e seu time prometem para a final entre Itália e Espanha, neste domingo, o maior e mais expressivo dos mais de 200 protestos já feitos.
O que levou Sara Winter à Ucrânia
Natural de São Carlos, no interior de São Paulo, Sara Winter conheceu o Femen já durante protestos realizados no último ano. Se aproximou das ativistas pela internet e, na última edição da Virada Cultural, na capital paulista, tentou invadir o palco durante um show da Gretchen. Foi retirada e agredida por policiais. Sara reclamou à organização do evento e recebeu direito de voz para o público durante três minutos. No palco, com os seios de fora.
O protesto impressionou as líderes na Ucrânia e Sara foi convidada a atuar durante a Eurocopa. O chamado mostra importância, afinal são cerca de 400 ativistas espalhadas pelo mundo que apoiam as causas do grupo. Com as passagens financiadas pelo Femen, Sara topou o desafio e, de volta ao Brasil na próxima semana, terá a missão de liderar projetos na América Latina com uma ajuda de custo de cerca de R$ 1 mil mensais.
Se por um lado ganhou fama e impulso para as causas que acredita, Sara também adquiriu muitas problemas e perdeu o emprego em São Carlos. “Minha família é conservadora, então meus pais ignoram as coisas que eu faço. Minha mãe vai me matar quando ver que raspei o cabelo. Também perdi muitos amigos. Já sofri muitas ameaças. Gente dos lugares que eu frequento disse que vai me matar, que vai meter balas nos meus dentes”. Por isso, ela tem um punhal entre os artigos femininos que carrega com sua bolsa.
Sara também tem sete tatuagens, mas aparentemente é uma delas que prefere. “Uma cruz de ferro com cereja. É dela que tiro minhas forças”, conta. “O objetivo é tentar mudar a cabeça da nova geração. Não posso querer mudar a opinião das pessoas, mas não sou só uma garota que mostra os seios. As pessoas (no Brasil) em geral não sabem ainda por que protestamos. Às vezes fazem um julgamento estúpido. Por que os homens podem mostrar os seios e as mulheres não? Os seios são ofensivos”, reclama.
Como se posicionar? Como levantar o cartaz? Como lutar com os policiais?
“Usar o corpo como arma. Eu controlo o meu corpo”, explica a brasileira sobre a síntese por trás de um protesto. Mas para ir além, diz ela, é necessário treinamento sobre como funciona o Femen (teoria) e o que fazer no momento da ação (prática). “Buscamos sempre onde estão os fotógrafos. Normalmente eles são avisados. É preciso gritar bem alto, o cartaz precisa ser uma extensão do corpo”, explica, entre outros detalhes. As ativistas, na véspera, dormem em locais espalhados, secretos.
Com protestos programados para eventos como a Olimpíada de Londres e a Copa do Mundo de 2014, o Femen recebe até uma crítica de Sara. “Vou dizer a elas que precisamos mirar não só eventos esportivos, mas sim a indústria do sexo. Não somos contra uma Eurocopa, ela traz grandes coisas ao país. Mas incentiva a prostituição”, argumenta. O grupo tem quatro líderes, que dele tiram o próprio sustento. Elas afirmam ter uma renda mensal total equivalente a R$ 10 mil ou R$ 12 mil.
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