A evolução do voluntariado no Terceiro Setor

Postado em 01 maio 2014 08:43 por JEAcontece
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A Inspiração para o Trabalho Voluntário e os Índices de Participação

Mirian Crestani
² Viviane Garbelini

RESUMO

Este trabalho destaca a trajetória do projeto ou programa Voluntariado no Brasil e no mundo, salientando alguns aspectos importantes como o surgimento, as características do trabalhador aderente ao projeto, o que difere o voluntariado do solidarismo e ainda alguns aspectos motivacionais que dão sentido ao mesmo. A Responsabilidade Social nas empresas onde o voluntariado se faz presente é um dos itens de destaque e discussão. A importância da gestão social com desenvolvimento de projetos que busquem a solução para problemas sociais.   O destaque das empresas do terceiro setor que desenvolvem programas de voluntariado. O porquê de haver necessidade de dependência de ações externas nas instituições, nas comunidades pobres onde o assistencialismo do governo e estado não preenche todas as lacunas.  Os índices de participação de colaboradores nos programas e projetos de voluntariado contribuindo para a evolução da equidade social no Brasil. Como ocorre o voluntariado no mundo? Como ocorre no Brasil? Destaque para as iniciativas e obras da ONU que promovem a paz no mundo inteiro pela sua força voluntária. Complementando com exemplos de programas e índices de participação do programa voluntariado em instituições como o Instituto C & A, a Fundação Fabrício Marasca e a ONG Doutores da Alegria. E para concluir, destaque do índice de generosidade no mundo.

Palavras-chave: Voluntariado. Responsabilidade Social. Terceiro Setor.

1. INTRODUÇÃO

Os organismos sociais, como ONGs, Fundações, Associações, etc., alimentam um mercado de voluntários movidos pela causa principal da ação social em prol do sofrimento alheio, promovendo a vida. O indivíduo que se prontifica em ser voluntário está ciente de que ele é um agente de transformação social e de desenvolvimento humano-social. Esses colaboradores sociais identificam-se com algumas características próprias como promover a cidadania, sabendo que a complexidade da sociedade incube problemas sociais com certo grau de dificuldade a transpor.  Ter senso ético, compromisso, habilidades, competência para a ação. Ter consciência de que o que está fazendo não lhe trará retorno remunerado em valor cambiável, mas sim um retorno simbólico de bem estar. O sujeito voluntário além de não ser pago pelo trabalho, ao inserir-se nesta ação, o faz sem ser forçado ou imposto. Ele o faz por vontade própria. Outro fator de grande importância que caracteriza o trabalho voluntário que é um trabalho prestado à entidade pública ou privada, mas que não tenha fins lucrativos e ainda que tenha objetivos públicos.

Este conteúdo traz índices de participação social do programa ou projeto de voluntariado, desenvolvidos em instituições nacionais. Traz ainda, um apanhado geral da história das iniciativas sociais relevantes no Brasil e no mundo que destacam o trabalho voluntário em prol dos que necessitam. A indagação ao descaso do primeiro setor, governo, com a solução da equidade social.  O que move as empresas e qual o ganho social? O que essas organizações tem de vantagem em estimular seus colaboradores para aderirem em projetos sociais?

2. A INSPIRAÇÃO PARA O TRABALHO VOLUNTÁRIO E OS ÍNDICES DE PARTICIPAÇÃO

O voluntariado por si só não tem tanta força como se fosse um servidor do Estado, mas ele se insere nas Fundações, Associações, ONGs, etc. para existir. O conjunto destas organizações é chamado de Terceiro Setor. Sem fins lucrativos, estas organizações são de natureza privada, dedicadas a interesses sociais.

Podemos, assim, conceituar o Terceiro Setor como o conjunto de organismos, organizações ou instituições sem fins lucrativos dotados de autonomia e administração própria que apresentam como função e objetivo principal atuar voluntariamente junto à sociedade civil visando ao seu aperfeiçoamento. (PAES, 2006, p. 122):

Desta forma pode-se observar que o autor cita o voluntariado já na concepção do terceiro setor como uma força da sociedade civil.  Mas, por outro lado, de nada adiantaria esta ação se não for feita com sensibilidade, ou pelo menos com algum sentimento de luta contra toda forma de pobreza e desigualdade social, exclusão, defendendo os direitos humanos, buscando soluções para problemas sociais.  É inconcebível existir doação, trabalho em prol de uma causa se não houver sentimentos de humanização com o receptor da ação. As sensações mais comuns envolvidas na ação voluntária condizem com a vida em sociedade, que são de fraternidade, amor, carinho, conforto, compaixão, etc., conforme cita Sberga (2002, p.14), “ser voluntário não é somente realizar um determinado serviço, mas aprender, através do exercício do amor humano, uma forma mais consciente de viver a própria vida em sociedade”. Conforme o autor, o mais importante no resultado do serviço voluntário é a aprendizagem que se leva para a vida do momento da ação. Há uma troca de sensações, de aprendizagem, de afeição que ficam impregnadas nos dois seres.

Como toda vivência em sociedade, há a necessidade de normas para o bom envolvimento das partes. Para tanto, foi criada a Lei 9.608 de 18 de fevereiro de 1998 pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, presidente do Brasil no período. Esta lei rege o serviço voluntário, em que, em seu artigo primeiro, diz que:

Considera-se serviço voluntário, para fins desta lei, a atividade não remunerada, prestada por pessoa física a entidade pública de qualquer natureza, ou a instituição privada de fins não lucrativos, que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência social, inclusive mutualidade”. (PAES, 2006, p. 853)

O autor salienta que o serviço voluntário não deva ser pago, portanto, não gera vínculo empregatício, nem obrigação de natureza trabalhista previdenciária ou afim.  Para complementar a lei, foi criado o termo de adesão onde o trabalhador voluntário assina na presença de responsáveis pela instituição, exonerando-se de qualquer troca cambial para exercer a atividade combinada.

Pode-se então dizer que o voluntariado é característico do terceiro setor? Não exatamente, pois ele aparece como principal ação neste setor, mas está presente nos demais setores onde há uma causa a ser defendida. As organizações do segundo setor, empresas privadas, agregam um grande papel na sua gestão estratégica ao incorporarem a responsabilidade social. Nesta gestão, destaca-se os valores éticos e morais, a preocupação com o meio ambiente e os problemas sociais locais, destacando como vantagem competitiva para a empresa que leva em consideração além destes, muitos outros itens importantes para seus stakeholders.

O grande desafio das empresas hoje é agregar um novo papel à sua gestão, atuando como uma empresa socialmente correta, gerando uma percepção social mediante suas responsabilidades e entendendo que todas as organizações podem se envolver no papel de empresa-cidadâ. (ORLICKAS, 2010, p 226)

Portanto, o autor chama as empresas à responsabilidade social quando indaga pelo seu papel com a cidadania, levando em consideração os valores, visão e missão condizentes com a postura e a gestão estratégica da organização, engajada em projetos sociais, contribuindo para a igualdade social. Deve lembrar-se de garantir os recursos naturais de sobrevivência das gerações futuras, desta forma, se destacará em responsabilidade social, revelando a sua postura de empresa eticamente correta. Este é o modelo de pensamento das grandes empresas, em serem organizações corporativas, em ter gestão sócio-ambiental, etc., dispor de gestão de responsabilidade social e ambiental. A evidência e sobrevivência destes empreendimentos, no mundo dos negócios, depende muito desta gestão que se propõe e como faz seu planejamento estratégico. Nas ultimas décadas, muito se tem pensado além da simples existência para o lucro. As organizações de destaque organizam-se dando ênfase à área social e ambiental. Golberg (2001, p. 7) comenta a pesquisa com empresas associadas ao Instituto ETHOS que perceberam a dimensão e a importância da responsabilidade social em seus empreendimentos.

Muitas das empresas que se associam ao Instituto Ethos têm como primeiro desejo receber apoio para montar um programa de voluntariado. Conforme pesquisa recém-concluída junto a 100 dos 380 sócios da organização, 94% das empresas possuem iniciativas nesse campo.

Portanto, o exemplo acima demonstra claramente o desejo de agregar o projeto voluntariado para somar aos programas de responsabilidade social das empresas. Responsabilidade Social, conceito de Orlickas ( 2010, p. 96), “é uma forma de gerir definida por uma relação ética de forma transparente entre a empresa e os públicos com os quais ela se relaciona” ou seja, as empresas aplicam parte de seu lucro de forma a beneficiar as comunidades, os grupos sociais que ela tem relação em forma de projetos promovendo melhorias na qualidade de vida. Este público a que se relaciona são os stakeholders que são todos os diretores, clientes, colaboradores, fornecedores, sociedade, comunidades, meio ambiente, etc. Na concepção de Paes, (2006, p.125), a responsabilidade social é um “compromisso que a pessoa jurídica ou física tem com os valores da sociedade por meio de atos e atitudes que afetem positivamente ou ajudem na construção da cidadania”. O autor colocava a ligação direta das empresas com seus stakeholders como pessoas com as quais a empresa tem vínculo e obrigação de orientar e dar subsídios para melhorar a qualidade de vida. A concepção de Orlickas (2010) complementa a de Paes (2006).

As ações de responsabilidade Social podem ser de apoio psicológico, ajuda braçal, integração, encontros, oficinas de artesanato, doações, etc. Podem ser na área da saúde, na educação, na cultura, esportes, infra-estrutura, etc., as possibilidades são infinitas, mas o requisito principal é a promoção do ser humano, da cidadania, do coletivo onde a empresa regedora se identifica.

Direitos humanos foram conquistados depois de muitas lutas e discussões de filósofos e juristas e, principalmente, depois de tragédias e atrocidades cometidas. A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi um marco na história das defesas do ser humano com base em conceitos religiosos, de respeito, fé, liberdade, cidadania etc. Muito antes disso já muito se defendia o ser humano e depois deste marco mundial, também muitos movimentos de organizações buscaram garantir os direitos sociais do indivíduo. Mas, o estado precisa garantir esses direitos, o que na verdade, é contestado quando se trata de estados capitalistas que tem objetivos de desenvolvimento puramente econômico. E neste contexto, entra o voluntário com suas ações de solidariedade para suprir a necessidade social do indivíduo pobre e miserável desvinculado totalmente da sua capacidade de existência humana dentro de estrutura admissível.

Antes mesmo do surgimento da ONU, surgem movimentos buscando garantir a assistência mínima às famílias desvinculadas de assistência dos governos. Surgem bons corações que suprem esse déficit e salvam vidas no mundo todo. Fundada em Lisboa, no século XV, as Santa Casa de Misericórdia nasceram da fé da Rainha Dona Leonor, que se preocupava com a saúde e bem estar das pessoas desamparadas. Em 1543 é implantada no Brasil a Fundação Santa Casa de Misericórdia, entidade religiosa ligada a área da saúde e que pratica até hoje o voluntariado.  Em 1863 surge, no norte da Itália, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha para prestar serviços de saúde voluntários em áreas de conflito. Em 1954 é criada a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais no Brasil, destinada a prestar ajuda às crianças e famílias de excepcionais. Em 1983, também no Brasil, foi criada a Pastoral da Criança. A preocupação maior deste movimento é de garantir a vida. Segundo dados do Projeto Missionário Leigos da Pastoral da Criança que desenvolve trabalho voluntário em todo Brasil e no mundo, a desnutrição infantil é uma das principais causas de morte na infância no norte e nordeste brasileiro, segundo a Pastoral da Criança,( 2012)

A prioridade do Projeto é a implantação da Pastoral da Criança nos municípios que possuem os mais baixos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH), com altas taxas de desnutrição e mortalidade infantil, e que mais de 70% das crianças e famílias residentes no município vivem em situação de pobreza e miséria. Estes municípios situam-se, em geral, nas regiões Norte e Nordeste do Brasil. O projeto existe desde 2004 e já foram enviados 102 missionários para 37 municípios brasileiros, mas necessitamos chegar a mais 400 municípios muito pobres que ainda não têm Pastoral da Criança.

Este movimento tem como principal objetivo salvar as crianças da desnutrição. O trabalho já é iniciado com a própria gestante. Os voluntários são capacitados para informar e ensinar as mães a buscarem alternativas alimentares para evitar a morte de seus filhos quando não há abundância de alimentos ou mesmo quando não há alimentos. Quando o assistencialismo governamental não cumpre com suas obrigações, entram em campo organizações que amparam os desfavorecidos socialmente.

A Pastoral da Criança possui hoje mais de 228 mil voluntários, presente no Brasil e mais 19 países. Contudo, Zilda Arns, fundadora da Pastoral, faleceu em 12 de janeiro de 2010 no terremoto do Haiti, logo após uma palestra em que estava congregando mais pessoas para o movimento, cultivando e promovendo a vida. Ela fundou também a Pastoral da Pessoa Idosa em 1993. (PASTORAL DA CRIANÇA, 2012)

O exemplo da Pastoral da Criança que age por meio de voluntários é um exemplo louvável de amor à vida do próximo.

A ONU busca constantemente chamar a atenção à vida, defesa e respeito a ela de todas as formas, criando subsídios como pactos, metas, cartas mundiais, procurando sensibilizar todas as nações para o mesmo objetivo de esperança de uma vida melhor a todos os habitantes da terra, chamando atenção para o meio ambiente, crucial para a vida do planeta.  As propostas para tanto e o cumprimento das mesmas podem ser monitorados pelos dirigentes da Organização através de relatórios anuais das empresas que se propõe a cumprir efetivamente com a proposta de crescimento econômico baseado na sustentabilidade e proposta de inclusão social.

as empresas podem assinar um compromisso com a onu a fim de considerar os 10 princípios do pacto global por meio de uma carta enviada pelo presidente da organização ao secretário-geral das nações unidas. para prestar contas da atuação da empresa, a onu espera receber anualmente um relatório de progresso que contemple todas as ações realizadas pela empresa e respectivos resultados alcançados, dentro dos 10 princípios anteriormente apresentados.(stadler, 2011, p. 104)

Estes princípios designam algumas normas referentes a direitos humanos, relações no trabalho, meio ambiente, como por exemplo, respeitar e proteger os direitos humanos, impedir violações dos mesmos, erradicar o trabalho infantil, promover a responsabilidade ambiental, entre outros importantes itens da proposta do Pacto Social. Além desta proposta, a ONU propôs 8 metas do milênio com prazo até 2015 para serem cumpridas mundialmente, como erradicar a extrema pobreza e a fome, reduzir a mortalidade infantil, melhorar a saúde entre outros objetivos para formar uma economia mundial sustentável em uma sociedade eticamente organizada e relacionada.

Em 2001, a ONU designou como o ano internacional do Voluntariado e o dia 5 de dezembro como o dia internacional do voluntário. Estas datas marcaram mundialmente como um marketing de expansão da idéia de que fazer o bem ao próximo é um dos caminhos para a resolução de problemas sociais. Desta forma muitas ações foram feitas, muitas ONGs foram criadas, e a defesa da vida foi estimulada de todas as formas nos meios de comunicação. Foi um golpe assertivo em favor da paz mundial.

As ações humanísticas independem do estado ou governo para acontecerem. Fundações, ONGs, órgãos internacionais como UNICEF, entre muitas outras organizações do Terceiro Setor, criam-se com o objetivo principal de amparar os menos favorecidos, levando subsídios e conhecimento que garantam seu desenvolvimento básico e subsistência.

Desde o descobrimento do Brasil, existiram movimentos e pessoas que agiram voluntariamente em prol das outras desamparadas. No período republicano, mais recente, identificamos um Brasil com capacidade econômica competitiva com o mercado econômico mundial, mas visivelmente pobre e sem estratégias de soluções para a desigualdade social crescente desenfreadamente.  Os políticos, detentores do poder, não tinham a preocupação em desenvolver o Brasil socialmente, mas sim, suas preocupações maiores eram de cunho econômico, evidenciando deficiências como, por exemplo, na saúde pública que no momento atual, ainda deixa muito a desejar, quando comparada a países economicamente equiparados com o Brasil.

O governo da Nova República criou um programa que destacou ações voltadas ao social com intuito de ampará-los. Temos o exemplo do voluntariado da LBA, Legião Brasileira de Assistência Social do Ministério da Previdência e Assistência Social, que teve como objetivo prestar ajuda às famílias dos soldados brasileiros enviados à 2ª Guerra Mundial. Desta forma, o voluntariado se firmou como ação assistencial em prol dos menos favorecidos. Nos estudos introdutórios da obra Voluntariado, na contramão dos direitos sociais, o autor resgatou a história do voluntariado no período de 1942 à 1995 na LBA e, em sua pesquisa, enfrentou limitações de ordem teórica, confirmando o descaso do estado com programas de ordem social. (ARAÚJO, 2008, p.26)

As bibliografias nacionais e internacionais eram restritas, na dimensão em que se faziam necessárias. Por outro lado, a documentação disponível para a pesquisa pouco respondeu às expectativas, exigindo um grande esforço para a apropriação dos elementos essenciais pretendidos.

Nessas condições, indaga-se se as iniciativas dos governantes levaram a soluções de problemas sociais ou apenas foram ações maquiadas para estimular o voluntariado, repassando sua responsabilidade para a sociedade.

A solidariedade social doadora é um termo que identifica uma ação feita à favor de uma causa social ou seja, com intenção de ajudar um indivíduo em condições de pobreza, miséria, colaborando para sua reestruturação ou ainda propondo subsídios para melhorar sua situação social. Esta terminologia ainda define como uma ação benéfica, de cunho religioso, sem esperar nada em troca. A solidariedade é uma atividade que pode ser comum ou individual com intenção de doação, onde não há valores cambiáveis envolvidos.

O perfil do agente executor de solidariedade social define por identificar-se com a proposta, ter disposição, ter consciência crítica da realidade social. Ele deve compartilhar com outros agentes, dispor de tempo e definir seu trabalho. Muito importante como característica do agente voluntário é de que ele é um agente social ético e que tem certeza do direito de todos por uma vida digna. Entende-se, portanto, que o solidarismo ou solidariedade seja o sentimento que move o voluntário a ação. Um está incutido no outro, identificando-se mutuamente. O solidário ocorre através do voluntariado ou o voluntário é movido por solidariedade.

Uma nova postura do agente voluntário doador é exigida. Uma nova atitude ética é o que se espera do agente, não se admitindo individualismo e nem filantropia, fazer só por fazer, gratuita. O voluntariado atua entre o público e o privado, com seus recursos pessoais, buscando alternativas diante dos questionamentos das necessidades sociais tentando corrigir distorções da realidade.

A cultura do voluntário não é basicamente livre de interesses políticos, pois através dela criam-se movimentos e associações relacionadas ao desenvolvimento democrático. O serviço voluntário promove o seu associativismo, onde o indivíduo se espelha, mas esse processo não é homogêneo e nem uniforme; é um processo complexo onde há a necessidade de discussões para se chegar a um sentido comunitário.

Entende-se que o voluntariado seja uma atividade puramente humanística, com propósitos de apaziguar as crises sociais, promover a justiça social.  É um movimento onde reina a generosidade, a doação, a boa vontade. Mas, é preciso muita reflexão e uma nova concepção filosófica moral e ética para transformar e mudar situações onde haja dominação, alienação ou manipulação.  O novo voluntariado surge nos anos 90 abrindo as portas para o novo milênio, dando um novo olhar ao programa. “Identificado com o terceiro setor, como parte de um movimento de revigoramento da sociedade civil”. Cunha (2010, p 31) apresenta o novo voluntariado onde as ações ganham a mídia como aliada na motivação da massa nacional.  Empresários, artistas, celebridades vão às telas e às ruas chamar os cidadãos comuns para engajarem-se na luta contra a fome, miséria e a pobreza.

Para descobrir o que move o agente voluntário a agir em favor das causas sociais, alguns estudiosos do assunto chegaram a conclusões distintas, mas unanimemente diziam que a motivação tinha como característica “obter uma gratificação”.   Bourdieu (1994) e Costa (2000) (citados por ARAÚJO, 2008, p. 37, 38) divergiam em suas idéias nos estudos a respeito. Ressaltou Bourdieu (1994), (citado por ARAÚJO, 2008, p. 37, 38), “há um envolvimento e um despertar de interesses.” Para Costa (2000) (citado por ARAÚJO, 2008, p. 37, 38) por sua formação psicanalítica, diz que o que move o doador voluntário são “razões e sentimentos.” Levando em conta alguns estudos com pesquisas em instituições públicas e privadas, Araújo (2008, p.36), no entanto, coloca suas percepções:

Não há uniformidade quanto às razões que o levam a participar de um programa ou de uma organização social. Estão presentes diversos valores, relacionados à raça, à condição social, ao sexo, a religiões e a regiões geográficas.

Portanto o autor amplia as condições motivacionais para o voluntariado. Nas pesquisas de Cunha (2010, p.16,17), o que movia seus entrevistados ia além do estímulo: “Idéias de cidadania, participação, justiça, democracia, Estado, mudanças sociais”.

No Guia de Gestão do Voluntariado da MPE Brasil, Prêmio de Competitividade para Micro e Pequena Empresa, (SEBRAE, 2010, p. 19), as empresas autoras do Guia mencionam o envolvimento de seus voluntários direto com suas missões, dentro do Programa MPE.

A possibilidade do voluntário de identificar-se com a Causa também é fator decisivo para sua satisfação e permanência. Isto faz com que ele perceba-se como participante direto no alcance dos objetivos, passando esta missão institucional a fazer parte de seu projeto de vida. Para que isto aconteça, o voluntário necessita conhecer exatamente o que o MPE Brasil propõe. É interessante ter uma estratégia para manter os voluntários informados sobre quaisquer modificações que por ventura venham a acontecer.

Este exemplo trata de um programa de ajuda através de avaliações da gestão de micro e pequenas empresas para possíveis premiações. Mas o que move um voluntário a aderir uma causa está ligando intimamente a seus sentimentos e o que ele aspira para o futuro.

A empresa C & A, empresa do ramo têxtil, multinacional com inúmeras lojas no Brasil, uma das escolhidas para nossa análise do Projeto Voluntariado, por ter um grupo de aproximadamente 5,6 mil voluntários, cerca de 30% do quadro funcional brasileiro, implantou o Programa no Brasil em 1991. Através do Instituto C & A, a direção da empresa demonstra o quanto está engajada em motivar positivamente todo quadro funcional para a participação em ações sociais.

A C & A sempre teve clareza das razões pelas quais investe na área social. Os acionistas da empresa adotaram como ponto de partida o lema “colocar a força de uma marca a serviço de uma causa.” O mote é a pedra angular sobre a qual foi construída a identidade do Programa Voluntariado. Como decorrência, o programa Voluntariado do Instituto C & A relaciona uma causa relevante – a educação de crianças e adolescentes – à criação de condições para que os funcionários da C & A possam exercer sua participação social por meio do trabalho voluntário. (INSTITUTO C & A, 2011, p. 101)

Seus colaboradores são motivados a fazerem ações buscando a transformação da sociedade, portanto quando a união do grupo de voluntários se une por uma causa, atuando sistematicamente, se torna uma força social com poder de mudanças.  Em 2011, o projeto atingiu quase todas as 200 lojas do Brasil. Dos voluntários praticantes, 51,5% dedicam de uma a cinco horas mensais nas ações ante 26,3% que dedicam de seis a dez horas, enquanto 20% dedicam de dez a vinte horas mensais em ações como mediação de leituras, arrecadação de doações, bazar beneficente, oficinas, etc. dentro dos mais de 105 projetos em 105 instituições. O Instituto C & A mantém um portal do voluntariado na rede mundial de computadores onde são trocadas idéias, são divulgadas as ações, etc. Notei um compromisso muito grande por parte da organização, pois, além de todos os recursos disponíveis para a implantação dos programas, há uma equipe estruturada para motivar elementos chaves nas lojas que passarão para os demais as informações e atrações para as ações. O desenvolvimento das ações dentro do Instituto demonstra muita criatividade, responsabilidade, maturidade com a causa social.

Toda e qualquer ação social feita por um agente voluntário estará restrita ao subsídio que este agente tiver a disposição, ou seja, ele estará desenvolvendo uma ação conforme seus recursos pessoais, seu conhecimento, seu talento, sua afetividade, sua personalidade, intelecto e ainda as informações que tem a seu favor.

Para a ONU, os voluntários servem à construção da paz, contribuem para a economia do local e também para promover uma sociedade mais justa. O Programa de Voluntários das Nações Unidas (UNV), desde 1971, ano de sua criação, soma mais de 30 mil voluntários que participam de atividades em mais de 140 países. Hoje, o programa conta com 7.500 voluntários, participantes em seus próprios países ou no exterior, vindos de 160 países onde, 75% são de nações em desenvolvimento, com média de idade de 39 anos. Alguns dos inúmeros trabalhos voluntários desenvolvidos pelos agentes da ONU em países subdesenvolvidos como nas Filipinas, é de colaborar com a construção de estradas. (ONU, Voluntariado, 2013)

Os voluntários atuam em mais de 100 campos profissionais. Ajudam a manter a paz, organizam eleições, trazem alívio em situações de emergência, promovem os direitos humanos, melhoram as condições de saúde, ensinam técnicas efetivas de agropecuária, promovem a igualdade de sexos e protegem o meio-ambiente.

Na Fundação Fabrício Marasca, empresa do Terceiro Setor, sem fins lucrativos, mantida pela empresa Marasca Comércio de Cereais Ltda, empresa de beneficiamento e comercialização de grãos, o Projeto Voluntariado está incluso em um dos quatro programas de responsabilidade social, gerenciado pela Fundação. O Programa Cidadania Corporativa promove e monitora o voluntariado em todas as 14 maiores unidades de recebimento de grãos da empresa Marasca, inclusive a Matriz.  Desde seu lançamento em 2001, os voluntários são motivados a desenvolverem atividades locais, no tempo disponível, conforme seu talento, suas aptidões.  (Fundação Fabrício Marasca, Programa Cidadania Corporativa, 2013)

As atividades são realizadas conforme a aptidão e desejo do voluntário, dentro de suas possibilidades que são de livre escolha. São inúmeras as Instituições que já receberam algum tipo de colaboração seja ela por serviços prestados, doações, integrações, visitas, etc. Este Projeto almeja contribuir com qualidade de vida para o próximo menos favorecido.

O projeto Voluntariado, em 2010 obteve 82 colaboradores aderentes ao projeto, quando na empresa havia um total de 236 colaboradores, 34% de participação em ações. Em 2011 foram 122 colaboradores voluntários que exerceram atividades não remuneradas em suas comunidades, quando o total de colaboradores estava em 358, mantendo a porcentagem de 34% de adesão ao projeto. No ano que passou, este índice baixou para 30%, tendo uma participação de 101 colaboradores dos 340, mas contou com aderência externa de familiares e amigos dos funcionários da empresa. Foram mais de 15 pessoas. A participação em ações estabilizou-se, contrapondo-se com o crescimento da empresa Marasca.  Este índice tem inúmeros fatores. Um deles diz respeito ao período em que as ações são intensamente executadas, são os períodos em que os colaboradores não podem sair do seu trabalho por ser a época de maior trabalho interno. Exemplo, a Páscoa que coincide com o período de safra da soja.

Mas o trabalho voluntário pode não ser totalmente gratuito, como por exemplo “Os Doutores da Alegria”, criado por Pach Adams. Esse movimento de doutores palhaços leva o humor contagiante para os leitos de hospitais com crianças e que inspirou a criação da ONG Doutores da Alegria que há 21 anos dedica-se a levar amor, carinho, alegria, e diminuir a ansiedade das crianças internadas. A maioria destes profissionais que se dedica semanalmente às visitas são atores de teatro que recebem remuneração. Os momentos de alegria e descontração nos corredores, quartos, UTI dos centros médicos tem o poder de “brecar ou suspender momentaneamente a lógica dos pensamentos e a dinâmica dos sentimentos vividos por pacientes, familiares e profissionais” (MASETTI, 2008, p. 18).  Após a visita bem humorada e carregada de carinho dos voluntários da besteirologia, as crianças ficam mais relaxadas, respondendo melhor aos tratamentos a que estão se submetendo.

Segundo pesquisa do CBVE, Conselho Brasileiro de Voluntariado Empresarial, divulgada em 2012 no livro Perfil do Voluntariado empresarial no Brasil III, feita com 23 grandes empresas nacionais, sendo 63% privadas, comparando com o ano de 2010, os benefícios para as comunidades subiu de 31,3% em 2010 para 72,58% em 2012. Em instituições sociais de 29,7% em 2010 para 54,84 em 2012. Entre alguns dos benefícios citados, melhora a relação entre a empresa e a comunidade, aumenta a motivação dos colaboradores.

Em relação às pesquisas anteriores, houve uma queda no percentual daquelas que montam equipes exclusivas para as atividades de voluntariado, 64% em 2010 contra 47,8% em 2012, e um aumento na entrega dessas ações a um único profissional, que passou de 29,7% para 43,3% em 2012. Ainda assim, a formação de uma equipe predomina sobre a administração individual, demonstrando maior envolvimento dos colaboradores nas práticas sociais. (CBVE, 2012, p.11)

Em uma pesquisa elaborada pela Rede Brasil Voluntário, em 2011, depois de 10 anos do ano internacional do voluntariado, 2001, o perfil do voluntariado brasileiro é de 53% de mulheres e 47% formado por homens com média de 39 anos, sendo 43% da classe C a classe que mais pratica ações voluntárias. Porém 51% são trabalhadores em período integral e em geral fazem essas ações há 5 anos. Ainda consta neste relatório que 55% das ações é a captação de recursos. “Ser solidário e ajudar os outros é a motivação mais citada” (Rede Brasil Voluntário, Pesquisa, 2012). Segundo esta pesquisa, um em cada quatro brasileiros fazem uma atividade voluntária ou já fizeram alguma vez.

No ranking internacional de generosidade, mensurado pela Charities Aid Foundation, CAF, com sede no Reino Unido, em parceria com o Instituto Gallup, o Brasil ficou em 76º lugar no ano de 2010 quando a Austrália e Nova Zelândia empataram em primeiro lugar. Em 2011 o Brasil ficou em 85º lugar nos que mais fazem trabalhos voluntários, e em 2012 Brasil caiu para 83º lugar. Este índice é elaborado por meio de uma pesquisa que aplica três questões: se a pessoa, no último mês doou dinheiro a uma instituição de caridade, se ela realizou trabalho voluntário ou se ajudou algum estranho ou alguém que ela não sabia se precisava de ajuda. Feita em 146 nações em 2012 contra 153 de 2011 e de 2010. A Austrália lidera o ranking de 2012 novamente. Em 2011, os Estados Unidos ficaram com a primeira colocação.

A colocação, muito aquém de vizinhos como o Paraguai, que figura entre os dez países com mais doadores, no entanto, revela que 35 milhões de brasileiros ajudam financeiramente organizações sociais, um crescimento de 30% em relação aos últimos cinco anos. (Gabrilli, 2012)

Afinal, o Brasil está um pouco mais generoso em 2012 do que estava em 2011, mas decaiu muito em relação a 2010. Há inúmeras outras preocupações na mente dos brasileiros do que ajudar alguém que precisa ou doar dinheiro a uma instituição de caridade.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

São inúmeros fatores externos e internos que contribuem para que a ação voluntária e solidária seja efetivada.  Um dos principais motivos que percebi em minhas leituras que é a motivação espiritual, religiosa, ou seja, a sensação de fazer algo que gratifique emocionalmente e espiritualmente. A responsabilidade social adentrou-se nas empresas para não mais sair com um ganho considerável para a sociedade e comunidades abrangentes. Os projetos e ações desenvolvidas nestes grupos geram conhecimento, informação, oportunidades, consequentemente maior desenvolvimento humano e social nos indivíduos receptores da ação.

Os índices de participação de voluntários em projetos sociais demonstram que a vontade brasileira de fazer o bem ao próximo cresce, não com números surpreendentes, mas, conforme a necessidade encontrada e a vontade de colaborar, sensibilizados com uma causa, colaboram com organizações do terceiro setor que se responsabilizam pela tarefa de amenizar os problemas sociais.

Os governantes esperam que a sociedade amenize os problemas sociais que eles não conseguem resolver sozinhos.  Há um escape de suas responsabilidades. Apropriam-se da mídia para sensibilizar a massa populacional através de discursos políticos. Suas secretarias ainda deixam muito a desejar em matéria de assistencialismo e preparação para tanto. Poderiam existir programas mais efetivos que garantissem o bem social. No caso de catástrofes a ajuda da coletividade é essencial.  Por outro lado, percebe-se que as camadas sociais que mais necessitam de solidariedade, tem muito mais oportunidades de formação profissional, sugerindo mais acesso à informação, cultura, conseqüentemente empregos melhores e mais bem remunerados. Crescendo o poder aquisitivo, cresce também o nível de qualidade de vida, diminuindo as necessidades de assistencialismo voluntário. Uma integração entre governo, empresas e comunidades, primeiro, segundo e terceiro setores, com estruturação adequada seria uma forma de solução?  Não dependente da solução efetiva, espera-se que sempre haja boa disposição e capacidade de pessoas prestativas auxiliarem a quem precisa, pois a necessidade pode vir de qualquer forma e de qualquer lugar.

REFERÊNCIAS

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Postado em 01 maio 2014 08:43 por JEAcontece
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